Vestibular Bianca
Terra Sonâmbula – Resenha do Livro de Mia Couto, Análise
O Livro Terra Sonâmbula do autor Mia Couto é uma das novas Obras literárias cobradas na lista de leitura do Vestibular da Unicamp. A partir do Vestibular 2016, a Unicamp terá sua lista própria de livros, antes ela era vinculada a da Fuvest.
Para ajudar aos vestibulandos a estudarem este novo livro cobrado em provas de São Paulo, fiz esse post ]resenha de Terra Sonâmbula, com informações sobre o enredo, personagens, temas tratados e pontos relevantes na obra. Espero que gostem e comentem aqui no ABC da Medicina.
Resenha do Livro Terra Sonâmbula
I) Enredo e Personagens:
O livro nos conta mais de uma história, elas se conectam conforme os personagens vão seguindo por uma estrada, ou como varias vezes e citado no livro, os caminhos levam os personagens a se ligarem. Tudo começa com um menino, Muidinga, e um velho, Tuahir, que caminham a fugir dos ataques da Guerra Civil que está acontecendo no país. Aos poucos vamos conhecendo mais desses personagens, Muidinga por exemplo foi salvo da morte pelo velho Tuahir, e não se lembra de seu passado, apenas que teve uma doença severa e foi dado como morto. Tuahir o ensinou tudo de novo, a andar, a falar, a pensar etc.
O menino é curioso e, logo quando encontram um ônibus queimado pela estrada (chamado de Machimbombo), identifica um corpo caído com uma mala – lá dentro estão cadernos que são o diário do homem morto. São os Cadernos de Kindzu, outra vítima dos conflitos, contando sua historia desde pequeno. Assim, são intercalados no enredo do livro um capitulo contando o sobre Muidinga e Tuahir, luta na sobrevivência, seguido de um capitulo com as Historias dos Cadernos de Kindzu.
Um pouco sobre Muidinga e Tuahir….
Vivem diversas aventuras durante sua estada nos arredores do machimbombo o qual tornou-se abrigo dos dois, entre corpos carbonizados eles dormem, se protegem da chuva e das hienas. Lendo os cadernos de Kindzu, eles fazem descobertas sobre si e sobre o local em que vivem. Refletem muito sobre o pais e seus conflitos, mas também sobre questões mais universais como amor, medo, guerra, destino. Em determinado trecho, Muidinga e Tuahir avistam um elefante sangrando na savana, eles comparam o país arrasado ao animal ferido:
"Ha no demorar das pernas um sinal de morte caminhando. (…) o animal se afasta, penoso. Muidinga sente o golpe da agonia em seu próprio peito. Aquele elefante se perdendo pelos matos é a imagem da terra sangrando, séculos inteiros moribundando na savana."
Muidinga se prende às narrações de Kindzu, quando vai ao mato para caçar receia não achar o caminho de volta para o onibus queimado, onde estão os cadernos. Ele sente falta das linhas, das palavras, das histórias. Os cadernos deram uma nova vida, esperança aos dois, sem eles Muidinga e Tuahir estariam condenados à solidão.
Um pouco sobre Kindzu e suas aventuras:
Esse personagem surge e tem uma figura importante na obra, seus cadernos dão voz ao exímio Contador de Historias que ele é. O pai de Kindzu também contava muitas histórias, mostrando um ícone marcante da cultura africana: "as estórias dele faziam o nosso lugarzinho crescer ate ficar maior que o mundo." Toda a narração pelos cadernos de Kindzu é fantástica, cheia de magia, lendas e crenças locais, por exemplo o trecho em que ele conta sobre a morte do Pai, criando uma espécie de Mito.
Kindzu percebe que seu país está agonizando, como uma baleia encalhada na praia. Sente-se desolado e perdido, pois perdeu pai e o irmão, e sua mae o rejeita. Ele é movido pelo deseejo de partir/ fugir de sua terra. Além disso, o personagem sente-se amaldiçoado por não ter seguido as tradições no cuidado com seu finado pai (fazendo oferendas, enterro, comidas). A sombra nefasta desse um homem que lhe dava apenas ordens e pouco afeto é constante em seus sonhos. Assim ele também enxergava seu país, há uma sombra que passava por. Moçambique, uma terra em divórcio com os antepassados. "Eu e a terra sofríamos de igual castigo"
Nessa situação, Kindzu procura um curandeiro da sua aldeia, ele diz para o jovem partir da terra para o mar e tentar fugir do espírito do pai. O jovem decide se tornar um Naparama (guerreiro justiceiro da região), então segue nessa busca. Em determinado momento, ele chega à ilha de Matimati, onde havia um navio naufragado num banco de areia. O povo da ilha fala que Kindzu nao é bem-vindo no local, então ele parte de novo para o mar e acaba indo para o navio naufragado. Lá ele encontra Farida, uma mulher muito bela que quer contar-lhe sua história.
Um pouco sobre Farida…
Ela também é perseguida por tradições de maldição, pois nasceu gêmea, o que em sua tribo era sinal de grande desgraça. Assim, sua irmã teria que ser morta para afastar a maldição, depois de diversos episódios acabou sendo separada da mãe,e ainda pequena foi adotada por um casal de portugueses.
Conforme Farida crescia, o pai adotivo começou a ter grande desejo sexual pela garota. Certa vez ela foi levada pela mae que 'delirava' a uma Missão para um padre cuidar, ficando afastada do pai. Farida nao aguentou viver por la, resolveu partir, mas antes passou na casa dos pais adotivos. A mae nao estava, apenas o marido que se aproveitou da situacao e acabou abusando Farida. Desse ocorrido, ela acabou ficando gravida e seu filho sendo mulato causaria mais motivos de discordia e maldicoes para as pessoas de sua terra, entao optou por deixá-lo na Missao para os religiosos cuidarem. Depois de muito tempo de te-lo deixado la, resolveu voltar para se reaproximar do filho, mas o menino acabou fugindo de la. Quando encontra Kindzu no Barco, eles se amam e ela pede a Kindzu que va em busca de seu filho perdido.
O demais detalhes do enredo, eu não contarei aqui na Resenha do Livro. Isso porque não quero estragar a surpresa da leitura de muitos.
Análise da Obra
II) Linguagem
O livro Terra Sonâmbula foi escrito em 1992 por Mia Couto, um renomado autor de Moçambique. Esse livro traz para nós, um português diferente, cheio de toques regionalistas desse pais lusofono e de raízes africanas. Em toda obra, a linguagem chama a atenção do leitor, seja pelos termos comuns a Moçambique, seja pelos neologismos e criações poéticas do autor.
Alguns trechos que exemplificam essa prosa com toque de poesia e marcas dos dialetos moçambicanos são:
"O jovem lança o saco no chão acordando poeira."
"O medo passeia seus chifres pelo peito do menino que se deita."
"Desconsigo de dormir"
"Fidamãe desse Kindzu"
" A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam a boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido a leveza, esqueceram da ousadia de levantar asas pelo azul." – Nesse trecho que abre o livro, a linguagem poética traz a tona o sentimento de tristeza e desilusão da paisagem afetada pela guerra.
III) Temas presentes em Terra Sonâmbula
– Guerra: Logo nas primeiras linhas do livro, é descrita uma paisagem devastada pela guerra, com carros incendiados e restos de pilhagens. "Na savana em volta, apenas os embondeiros contemplam o mundo a desflorir."
Em outras partes da narração, os personagens refletem sobre como a Guerra Civil destruiu o sonho: "O sonho é o olho da vida.Nos estávamos cegos [nesse tempo de guerra]".
Um pouco do contexto histórico:
'O cenário da obra em questão é a devastação de Moçambique por sucessivos conflitos armados. De 1965 a 1975, o confronto foi contra o domínio português e pela Independência do país. Após a conquista da liberdade de Portugal, em 1975, iniciam-se disputas internas pelo poder entre os partidos Renamo e Frelimo. Tais conflitos ocorreram de 1976 a 1992, fazendo milhares de vítimas e arrasando o país. Terra Sonãmbula retrata o último período dessa guerra civil, o livro foi publicado pela primeira no ano em que foi assinado o Acordo Geral de Paz entre os dois grupos, que hoje disputam pacificamente as eleições.'
– Questão do Destino das pessoas: uma traço da cultura local, pois Kindzu sentia-se constantemente vítima da maldição do pai: "Porque motivo tanta coisa se azarava (…) pai não me castigues dessa maneira".
Kindzu e Farida tem muitas semelhanças: ambos tem a memória povoada de fantasmas do passado. Eles representam tradições e sentenças dos antigos que so falam línguas indígenas, mas os dois so entendem o português – o que ostra a dissociação e o conflito do homem daquele tempo de transição para do tradicional para as modernidades, do homem que vivência a guerra e lutas e fica perdido com que rumo tomar. Farida quer fugir daquele lugar, Kindzu quer se tornar guerreiro Naparama.
– Caminhos: em todo o livro ha referências ao fato de que o caminho que conduz o viajante, que não são apenas as pernas e desejo dele, mas sim uma questão do destino:
" Me surgiam agora alucinadas visões de uma estrada por onde eu seguia. Mas aquela era uma estranha picada: não estava imóvel, esperando a viagem dos homens. Ela se deslocava, seguindo de paisagem em paisagem. A estrada me descaminhou. O destino o que é senão um embriagado conduzido por um cego?"
– Violência e Falta de Esperança nos tempos de Guerra: em todos o livro é mostrada a perda da humanidade num conflito armado, numa guerra civil com guerrilhas disputando o poder todos são vítimas e também algozes. Na foto abaixo, o trecho revela que o que tem valor naquele lugar era a Arma, não a caneta (representando os estudos), nem a enxada (simbolizando o trabalho, investir na terra).
– Paisagem: várias vezes durante o livro, há a referência da terra mudando da noite para o dia, a vegetação da paisagem se altera e os personagens percebem isso, os trechos abaixo são um exemplo disso:
"Era como se a terra esperasse por aldeias, habitações para abrigar futuros e felicidades."
"Tudo acontecera na vizinhança do autocarro. Era o país que desfilara por ali, sonambulante. Siqueleto esvaindo, Nhamataca fazendo rios, as velhas caçando gafanhotos, tudo o que se passara tinha sucedido em plena estrada.
– É miúdo, estamos a viajar. Nesse machimbombo parado nós não paramos de viajar."
Trechos Marcantes da Obra de Mia Couto
– Dialogo de Kindzu e o Fantasma de seu pai, ele é questionado do motivo pelo qual escreve seus cadernos:
– Amor nos tempos de Miseria : descrição de Tuahir sobre o valor dos laços de amor e amizade nessa época de guerra, nesse trecho ele reflete em como Kindzu buscava coisas diferentes do que os outros de seu tempo.
"O que valia o amor, a amizade? O único valor, nos dias atuais, é sobreviver. (..) Kindzu, queria saber da felicidade; os outros queriam saber de comida. Ele queria a bondade; os outros só queriam saber quanta vantagem podiam tirar."
– Trecho que fala sobre o sexo e elevação/transcendência da mulher pela gravidez:
"Quem mandara eu lhe tocar em jeito de a tornar mãe? Porque desse desesperado suspiro dos corpos se amando é que faz uma mulher se transcender, aceitar em si a semente de um infinito ser."
– Em diversos trechos do livro há referências ao tema da Morte:
"A morte, afinal, é uma corda que nos amarra as veias. O nó está lá desde que nascemos. O tempo vai esticando as pontas da corda, nos estancando pouco a pouco."
– Estrangeiro e Xenofobia: em algumas passagens, mostra-se evidente o conflito entre classes e etnias. Um portugues era o grande patrão da cidade, um indiano não era bem vindo como comerciante na cidade, o preconceito com Kindzu em Matimati que não era sua terra natal:
"Seria preciso esperar séculos para que cada homem fosse visto sem o peso de sua raça."
Essa foi minha percepção sobre esse livro que agora está na Lista de Obras obrigatórias do Vestibular da Unicamp. Destaquei mais os trechos que achei importantes. Comentem aqui no Blog o que vocês acharam da leitura de Terra Sonâmbula e mandem suas duvidas!!
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Muito bom o contexto que tem publicado sobre livro, exatamente o que havia lido antes!
Atenciosamente,
Silvia Letícia
Gostei muito das observações sobre a obra. Acredito que iniciativas como estas são incríveis para enriquecer a visão de quem partilhou dessas leituras. Entretanto, especificamente nos comentários de Terra Sonâmbula, senti falta do destaque para alguns elementos muito importantes da obra: a questão do folclore – primordial para composição do livro. Talvez seja legal mencionar a importancia da riqueza folclórica principalmente porque em função da Guerra Civil (1976-92) muitas pessoas foram transferidas de suas terras natal, contrinuindo para perda de muito da história de alguns povos (o que explica em partes a avidez dos personagens por histórias); o tema do SONHO que permeia a obra em diversos pontos; a fome, tema igualmente recorrente (principalmente no campo de refugiados em que está Euzinha) e a questão política da distribuição de comida (o galpão repleto de grãos enquanto o povo passava fome)… em fim. São algumas sugestões pontuais que poderiam melhorar ainda mais essa análise. Mais uma vez, obrigada pela iniciativa!
Obrigada, Karina!! É legal quando alguém comenta sobre pontos importantes do livro que eu não abordei, enriquece a análise. Vou tentar dar uma estudada e atualizada no post, obrigada pelas sugestões.